segunda-feira, 16 de junho de 2014

Em outubro, vote na Fifa.

Por: Francisco Roberto Caporal
Em: 12 de junho de 2014.

Se a Fifa for candidata nas eleições de outubro, eu vou votar na Fifa. Ela mostrou que é melhor gestora que Aécio, Dilma, Eduardo e outros. Ela conseguiu que fossem feitos todos os estádios (que os neo-colonizados chamam de arenas) gigantescos, dentro dos prazos que ela – Fifa – estabeleceu e do jeito que ela queria. E, para que isso ocorresse, puxou as orelhas de governantes das três esferas da federação, que não estavam cumprindo com suas tarefas.

A Fifa conseguiu “hospitais de referência” para a copa. Turistas e delegações podem ficar tranquilos, pois as equipes serão reforçadas e a Fifa não quer ninguém na fila. Coisa rara, num país em que o cidadão comum vem morrendo na porta dos hospitais ou na fila de uma emergência. Além disso, a Fifa exigiu um tempo máximo para que ocorra um atendimento médico dentro dos estádios. Até treinamento houve para atender esta exigência. Na vila onde eu moro, não tem médico no posto de saúde, mas no estádio da Fifa tem.

A Fifa conseguiu colocar mais segurança nas ruas, nos hotéis e nos estádios do que qualquer governo, ao longo das últimas décadas. 100.000 homens e mulheres para a segurança “da copa”. 100.000, só em 12 cidades da copa. Mas, não se preocupem, em julho eles irão embora.

Ela também estabeleceu procedimentos para a evacuação de torcedores, em caso de “ataque terrorista” aos estádios, de forma ordeira, segura e no tempo necessário.

Além disso, organizou as cidades-sedes. Ela determinou que não podemos nos deslocar nas áreas próximas aos estádios.  Até o espaço aéreo, perto dos estádios, será objeto de segurança. E a costa será patrulhada pela Marinha.

A Fifa se preocupou até com a nossa segurança alimentar, estabelecendo o que se pode ou não comer e beber dentro dos estádios e arredores. 

Além disso, a Fifa se apoderou do Tatu-Bola. Deve estar preocupada, pois o bichinho que está em extinção. Resultado da Fifa: só agora governos lembraram de criar reserva para a proteção do “mascote da Fifa”.

Se a gente pesquisar, encontrará muitos outros “feitos” e resultados da Fifa, na gestão deste humilde país. A Fifa não mandou fazer reformas nos aeroportos e por isso elas não ficaram prontas. Também não mandou fazer corredores de ônibus, linhas de monotrilho e outras obras de mobilidade e por isso elas também não ficaram prontas. Segundo nossos governantes eram obras para a copa. Agora dizem que não são mais para a copa, são para o povo. De qualquer forma, segundo especialistas, só 51% das obras para a copa ficaram prontas para a copa.

Quer dizer, o que a Fifa mandou fazer foi feito. O que ela não mandou fazer, isto é, iniciativas de nossos candidatos/governantes, não ficou pronto. Isto demonstra que a Fifa é melhor gestora e, por isso, vou votar na Fifa. E como ela não paga impostos, talvez vá nos dar isenção. 

domingo, 15 de junho de 2014

Monsanto, a semente do diabo

Esther Vivas

“A semente do diabo”, foi assim que o popular apresentador do canal norte-americano HBO Bill Maher batizou a multinacional Monsanto, num dos seus programas e em referência ao debate sobre os Organismos Geneticamente Modificados. Porquê? Trata-se de uma afirmação exagerada? Que esconde esta grande empresa da indústria das sementes? No passado domingo, celebrou-se a jornada global de luta contra a Monsanto. Milhares de pessoas em todo o planeta manifestaram-se contra as políticas da empresa.

A Monsanto é uma das maiores empresas do mundo e a número um em sementes transgênicas, 90% das culturas modificadas geneticamente no mundo contam com os seus traços biotecnológicos. Um poder total e absoluto. Além disso, a Monsanto está à cabeça da comercialização de sementes, e controla 26% do mercado. A mais distância, segue-se a DuPont-Pioneer, com 18%, e a Syngenta, com 9%. Só estas três empresas dominam mais de metade, 53%, das sementes que se compram e vendem à escala mundial. As dez maiores, controlam 75% do mercado, segundo dados do Grupo ETC. O que lhes dá um poder enorme na hora de impor o que se cultiva e, em consequência, o que se come. Uma concentração empresarial que tem vindo a aumentar nos últimos anos e que corrói a segurança alimentar.

A ganância destas empresas não tem limites e o seu objetivo é acabar com variedades de sementes locais e antigas, ainda hoje com um peso muito significativo especialmente nas comunidades rurais dos países do Sul. Sementes autóctones que representam uma concorrência para as híbridas e transgênicas das multinacionais, as quais privatizam a vida, impedem os camponeses de obter as suas próprias sementes, convertem-nos em “escravos” das companhias privadas, além do seu impacto negativo no meio ambiente, com a contaminação de outras culturas, e na saúde das pessoas. A Monsanto não poupou recursos para acabar com as sementes camponesas: processos judiciais contra agricultores que tentam conservá-las, monopólio de patentes, desenvolvimento da tecnologia de esterilização genética de sementes, etc. Trata-se de controlar a essência dos alimentos, e aumentar assim a sua quota de negócio.

A introdução nos países do Sul, em particular naqueles com vastas comunidades camponesas capazes ainda de se proverem com sementes próprias, é uma prioridade para estas empresas. Deste modo, as multinacionais das sementes intensificaram as aquisições e alianças com empresas do setor principalmente na África e na Índia, apostaram em culturas destinadas aos mercados do Sul Global e promoveram políticas para desencorajar a reserva de sementes. A Monsanto, como reconhece a sua principal rival DuPont-Pioneer, é o “guardião único” do mercado de sementes, controlando, por exemplo, 98% da comercialização da soja transgênica tolerante a herbicida e 79% do milho, como assinala o relatório Quem controla as matérias-primas agrícolas? O que lhe dá suficiente poder como para determinar o preço das sementes, independentemente dos seus concorrentes.

Das sementes aos pesticidas

No entanto, para a Monsanto não é suficiente controlar as sementes mas também, para fechar o círculo, procura dominar aquilo que se aplica nas suas culturas: os pesticidas. A Monsanto é a quinta empresa agro-química mundial e controla 7% do mercado de inseticidas, herbicidas, fungicidas, etc., atrás de outras empresas, líderes ao mesmo tempo no mercado das sementes, como a Syngenta que domina 23% do negócio dos pesticidas, a Bayer 17%, a BASF 12% e a Dow Agrosciences quase 10%. Cinco empresas controlam assim 69% dos pesticidas químicos sintéticos que se aplicam nas culturas à escala mundial. Os que vendem as sementes híbridas e transgênicas aos agricultores são os mesmos que lhes fornecem os pesticidas a aplicar. Negócio garantido.

O impacto no meio ambiente e na saúde das pessoas é dramático. Apesar das empresas do sector assinalarem o carácter “amigável” destes produtos com a natureza, a realidade é precisamente o contrário. Hoje, depois de anos de fornecimento do herbicida Roundup Ready da Monsanto, à base de glifosato, que já em 1976 foi o herbicida mais vendido do mundo, segundo dados da mesma empresa, e que se aplica às sementes de Monsanto modificadas geneticamente para tolerar este herbicida, enquanto este acaba com as ervas daninhas, várias são as ervas que desenvolveram resistências. Só nos Estados Unidos, calcula-se que apareceram cerca de 130 plantas daninhas resistentes a herbicidas em 4,45 milhões de hectares de culturas, segundo dados do Grupo ETC. O que levou a um aumento do uso de pesticidas, com aplicações mais frequentes e doses mais elevadas, para as combater, com a consequente contaminação do meio ambiente.

As denúncias de camponeses e comunidades afetadas pelo uso sistêmico de pesticidas químicos sintéticos é uma constante. Em França, a doença de Parkinson é inclusive considerada uma doença laboral agrícola causada pelo uso de pesticidas, depois do agricultor Paul François ter ganho a batalha judicial contra a Monsanto, no Tribunal de Lyon em 2012, e ter conseguido demonstrar que o herbicida Lasso era responsável por tê-lo intoxicado e deixado inválido. Uma sentença histórica, que permitiu criar jurisprudência. O caso das Mães de Ituzaingó, um subúrbio da cidade argentina de Córdoba, rodeado de campos de soja, em luta contra a pulverização é outro exemplo. Depois de dez anos de denúncias, e após ver como o número de doentes de cancro e crianças com malformações no bairro não parava de aumentar, de cinco mil habitantes duzentos tinham cancro, conseguiram demonstrar o vínculo entre essas doenças e os pesticidas aplicados nas plantações de soja locais (endosulfan da DuPont e glifosato do Roundup Ready da Monsanto). A Justiça proibiu, graças a sua mobilização, a pulverização com pesticidas próximo de zonas urbanas. Estes são apenas dois casos dos muitos que podemos encontrar em todo o planeta.

Agora, os países do Sul são o novo objetivo das empresas agroquímicas. Enquanto as vendas globais de pesticidas desceram nos anos 2009 e 2010, o seu uso nos países da periferia aumentou. No Bangladesh, por exemplo, a aplicação de pesticidas cresceu 328% na década de 2000, com o consequente impacto na saúde dos camponeses. Entre 2004 e 2009, a África e o Médio Oriente tiveram o maior consumo de pesticidas. E na América Central e do Sul espera-se um aumento do consumo nos próximos anos. Na China, a produção de agroquímicos atingiu em 2009 dois milhões de toneladas, mais do dobro do que em 2005, segundo assinala o relatório Quem controlará a economia verde? Business as usual.

Uma história de terror

Mas, de onde surge esta empresa? A Monsanto foi fundada em 1901 pelo químico John Francis Queeny, proveniente da indústria farmacêutica. A sua história é a história da sacarina e do aspartame, do PBC, do agente laranja, dos transgênicos. Todos fabricados, ao longo dos anos, por esta empresa. Uma história de terror.

A Monsanto constituiu-se como uma empresa química e, na sua origem, o seu produto principal era a sacarina, que distribuía para a indústria alimentar e, em particular, para a Coca-Cola, de que foi uma das principais fornecedoras. Com os anos, expandiu o seu negócio à química industrial, convertendo-se, na década de 20, num dos maiores fabricantes de ácido sulfúrico. Em 1935, absorveu a empresa que comercializava o bifenil policlorado (PCB), utilizado nos transformadores da indústria elétrica. Nos anos 40, a Monsanto centrou a sua produção nos plásticos e nas fibras sintéticas, e, em 1944, começou a produzir químicos agrícolas como o pesticida DDT. Nos anos 60, juntamente com outras empresas do sector como a Dow Chemical, foi contratada pelo governo dos Estados Unidos para produzir o herbicida agente laranja, que foi utilizado na guerra do Vietname. Neste período, fundiu-se, também, com a empresa Searla, que criou o adoçante não calórico aspartamo. A Monsanto foi produtora, também, da hormona sintética de crescimento bovino somatotropina bovina. Nas décadas de 80 e 90, a Monsanto apostou na indústria agroquímica e transgênica, acabando por se tornar na número um indiscutível das sementes modificadas geneticamente.

Atualmente, muitos dos produtos made by Monsanto foram proibidos, como os PCB, o agente laranja ou o DDT, acusados de provocar graves danos na saúde humana e no meio ambiente. Só o agente laranja foi responsável na guerra do Vietname de dezenas de milhares de mortos e mutilados, bem como de bebés nascidos com malformações. A somatotropina bovina também está vetada no Canadá, na União Europeia, Japão, Austrália e Nova Zelândia, apesar de ser permitida nos Estados Unidos. O mesmo ocorre com o cultivo de transgênicos, onipresente na América do Norte, mas proibido na maioria dos países europeus, com exceção, por exemplo, do Estado espanhol.

A Monsanto, além disso, move-se como peixe na água nos corredores do poder. A Wikileaks tornou isso bem claro quando divulgou mais de 900 mensagens que mostravam como a administração dos Estados Unidos gastou consideráveis recursos públicos para promover a Monsanto e os transgênicos em muitíssimos países, através das suas embaixadas, do seu Departamento de Agricultura e da sua agência de desenvolvimento USAID. A estratégia consistia e consiste em conferências “técnicas” desinformando jornalistas, funcionários e formadores de opinião, pressões bilaterais para a adoção de legislações favoráveis e para abrir o mercado às empresas do setor, etc. Na Europa, o governo espanhol é o principal aliado dos EUA nesta matéria.

Resistências

Perante tanto despropósito, muitos não calam e levantam-se em protesto. As resistências contra a Monsanto são milhares em todo mundo. O dia 25 de maio foi declarado dia de jornada de ação global contra essa empresa e centenas de manifestações e ações de protesto foram levadas a cabo nesse dia em todo o globo. Em 2013 realizou-se a primeira convocação, milhares de pessoas saíram à rua em várias cidades de 52 países diferentes, desde a Hungria até ao Chile passando por Holanda, Estado espanhol, Bélgica, França, África do Sul, Estados Unidos, entre outros, para mostrar a profunda rejeição às políticas da multinacional. No domingo passado, dia 25, a segunda convocatória, menos participada, foi levada a cabo com ações em 49 países.

A América Latina é, neste momento, uma das principais frentes de luta contra a empresa. No Chile, a mobilização conseguiu, em março de 2014, a retirada da chamada Lei Monsanto que pretendia facilitar a privatização das sementes locais e deixá-las nas mãos da indústria. Outra grande vitória foi na Colômbia, um ano antes, quando a massiva paralisação agrícola, em agosto de 2013, conseguiu a suspensão da Resolução 970, que obrigava os camponeses a usar exclusivamente sementes privadas, compradas às empresas do agronegócio, e os impedia de guardarem as suas próprias sementes. Na Argentina, os movimentos sociais estão, também, em pé de guerra contra outra Lei Monsanto, que está para ser aprovada no país e pretende subordinar a política nacional de sementes às exigências das empresas transnacionais. Mais de cem mil argentinos assinaram já contra essa lei no quadro da campanha “Não à Privatização das Sementes”.

Na Europa, a Monsanto quer agora aproveitar a brecha aberta pelas negociações do Tratado de Livre Comércio União Europeia - Estados Unidos (TTIP) para pressionar em função dos seus interesses particulares e poder legislar por cima da vontade dos países membros, muitos deles contrários à indústria transgênica. As resistências na Europa contra o TTIP, esperemos, não se farão esperar.

A Monsanto é a semente do diabo, sem dúvida.

*Artigo publicado em Publico.es em 29 de maio de 2014.
 Tradução de Carlos Santos para Esquerda.net.